Terça feira passada, fui parar na sede da empresa de games Blizzard Entertainment em Orange County, Califórnia.
Tenho casa em San Diego e, pelo menos uma vez por ano, passo lá para rever os amigos e minha família do intercâmbio.
Antes de vir para a Califórnia, um texto dessa humilde página viralizou nos fóruns da “direita-branca-opressora-e-coxinha” e trouxe umas 100mil novas visitas para cá.
(Não leu? Então chega ali no Tomei café com o maior investidor do Brasil Luis Stuhlberger. Saiba porque eu me senti hipócrita).
Uma dessas 100mil pessoas foi o diretor da Blizzard Entertainment, aquela mesma empresa que produz os games World of Warcraft, Diablo e Rock and Roll Racing.
Sim, ele é brasileiro que nem a gente!
Depois desse texto, ele começou a me seguir lá no Facebook, viu que estava de rolé em Southern Califórnia e me convidou para visitar a sede da empresa lá em Irvine.
Minha nova startup Mestrix não deixa de ser uma empresa de games então é claro que valia a pena dar uma chegada lá.
Aliás, escrevi meu primeiro livro Hackeando Tudo depois de haver passado meses e meses estudando os hábitos diários das pessoas mais bem-sucedidas da história da humanidade.
Nessa brincadeira aí, fui de Jesus Cristo a Mark Zuckerberg, passando por Jorge Paulo Lemann, Michael Jordan e Richard Branson.
Esse conceito de aprender com o bom exemplo dos outros serve para o mundo corporativo também.
E como serve!
A Blizzard Entertainment faturou nada menos que 4.4 bilhões de dólares no ano passado.
Caramba!
Alguma coisa eles estão fazendo certo.
É claro que aceitei o convite e fui pra lá aprender um pouquinho com eles.
Seguem alguns comentários e conclusões que eu tirei nesse rolé aí:
1) Logística de viagem
Peguei o trem Pacific Surfliner no Santa Fé Depot, estação de trem com arquitetura colonial espanhola que fica de frente para o Porto de San Diego.
Não sou muito de andar de trem mas eu duvido que exista no mundo uma ferrovia mais sinistra que essa aí do Surfliner.
O trem corta a costa da Califórnia quase que inteira, indo de San Diego até San Francisco e parando em várias cidades praianas do Oceano Pacífico.
No trecho entre San Diego e Los Angeles, o trem para em Solana Beach, Oceanside, San Clemente, San Juan Capistrano, Irvine, Santa Ana, Anaheim e Fullerton.
Cara, as vistas são sensacionais.
Especialmente no fim da tarde.
Isso porque o Sol se põe no oeste (duh) e o mar está na extremidade oeste da Califórnia (duh).
Agora combina essas duas informações e você vai ter o pôr-do-Sol mais pica das galáxias.
Só isso já vale a viagem.
(Quer dizer… com o câmbio atual não vale não… se liga no post que eu escrevi sobre viajar para os EUA com o dólar turismo a R$4.50)
Quando eu era muleque, fazia intercâmbio em San Diego mas minha host family tinha casa em Los Angeles então pegava esse trem para Los Angeles quase todo fim de semana.
Desci na estação de Irvine mas ainda tinha um chãozinho para percorrer até o prédio da empresa.
Chamei um UberX que, por sinal, é um quebra galho master para qualquer turista que não tá afim de pagar uma fortuna no aluguel de carro.
(Quando eu tiver tempo, eu escrevo um post sobre porque eu acho que o Uber solucionou o maior problema da Califórnia)
Cheguei lá no headquarters da Blizzard Entertainment um pouco antes do meio dia e fui almoçar com o André.
2) “Uniforme” de trabalho
A primeira coisa que eu percebi lá dentro foi o dress code da galera.
Não é novidade nenhuma ver gente jovem de calça jeans e camisa t-shirt em escritórios de empresas de tecnologia.
Ainda mais no outono com a sensação térmica de deserto do sul da Califórnia.
Tava quente pra cacete!
O negócio é que eu fiquei de cara quando vi uns tiozões de 40-50 anos vestindo camisas com estampas de games.
Cada um com um personagem diferente.
E não necessariamente um personagem da Blizzard Entertainment. Tinha até nego com camisa do Cavaleiros do Zodíaco.
Atribuo uma probabilidade de 80% de que pelo menos um daqueles tiozões era diretor de algum departamento lá dentro.
Cadê o terno, tio?
Papo reto, nem o segurança negão da portaria usava terno.
Aí beleza, fui conectar os pontinhos só bem mais tarde.
Como é que grande maioria dos consumidores dos produtos da Activision Blizzard se veste?
Boom! Matou a charada.
Calma que eu vou escrever mais sobre essa relação empresa x consumidor mais lá embaixo no post.
3) O valor de um investimento anjo
Parece que toda start-up de sucesso tem uma historinha de contos de fadas dos seus primórdios.
A Blizzard Entertainment foi fundada por três amigos da University of California at Los Angeles (UCLA) no início dos anos 1990.
Como quase todo jovem empreendedor, os caras não tinham grana do próprio bolso para botar na empresa.
Um deles, pediu dinheiro emprestado para a avó para bancar a fase pré-operacional da empresa e para pagar alguns custos de incorporação.
A avó escreveu num pedaço de papel que netinho X tinha uma dívida de US$15mil com ela e iria pagar o mais rápido possível.
Os dois assinaram embaixo.
Que bonitinho!
Com o market close de hoje a US$34.17 na NASDAQ, dá pra calcular que o valor de mercado da empresa está quase batendo 25 bilhões de dólares.
(A equação é a seguinte::
Market Cap = Preço da Ação x Quantidade de Ações
Market Cap= $34.17 por ação * 725M de ações
Market Cap= US$ 25B)
Esse número é 1,652,666 vezes o investimento da vovózinha.
Chupa Warren Buffett!
E o legal é que esse pedaço de papel da vovózinha está exposto lá dentro do Museu da Blizzard Entertainment.
Para a tristeza dos nerds de plantão, esse museu aí é restrito ao público. Só dá pra entrar se tu desenrolar com alguém que já trabalhe lá dentro.
E para a minha tristeza, não tinha uma Blizzard Store para levar um souvenir pro meus amigos nerds lá do Rio.
4) Decoração à caráter
Outra parada muito louca do prédio da Blizzard Entertainment foi a decoração.
Por fora, ele parece um prédio comercial normal cheio de consultórios médicos e escritórios de advogados.
Se olhar de longe, ninguém acredita que os cenários de World of Warcraft são feitos ali.
É só botar o pé dentro de qualquer um dos 4 prédios da propriedade que bate aquela sensação que a gente tinha ao descascar o papel-alumínio de um Kinder Ovo lá nos anos 1990.
A cada curva que eu fazia pelos corredores da empresa, eu dava de cara com um mega-boneco de tamanho real de algum dos personagens da Blizzard.
E é impressionante a riqueza de detalhes da parada: os tecidos, as armaduras, os traços físicos dos bonecos.
Coisa para deixar o Milton Cunha e o Laíla morrendo de recalque.
5) Brasileiros na Blizzard
Além do André, conheci outros dois brasileiros que trabalhavam lá na empresa.
Jurava que os dois eram geeks de engenharia da computação e estavam ali programando o próximo World of Warcraft.
Fiquei surpreso quando eles me explicaram o que eles realmente faziam ali no headquarters da Blizzard.
O trabalho deles é passar todas as fases e mapas dos jogos e verificar linha por linha se a tradução está correta.
Ele joga a versão americana, ouve e lê tudo direitinho.
Depois joga a versão brasileira e checa se tudo está batendo.
Muita coisa fica “lost-in-translation”.
Isso porque o cara que traduz o texto ao pé da letra, apesar de ser um tradutor profissional, realmente não manja do jogo e do contexto da parada.
O trabalho desses dois caras é justamente afastar qualquer gafe da versão brasileira do game.
Não tenho muita idéia do tamanho das fases e dos mundos do Warcraft mas, pelo jeito que os caras me explicaram, tem informação pra caramba pra repassar!
6) O maior legado da PUC-Rio
Passei minha adolescência inteira e meus anos universitários fora do país então fiquei meio por fora da realidade universitária do Rio de Janeiro.
Mas tudo que ouço da galera aqui é que a PUC-RIO é faculdade para quem não foi bem o suficiente no ENEM para passar nas públicas e tem papai rico para bancar a mensalidade.
Coisas do tipo: “faculdade de playboy”, “pagou-passou”, etc.
Fiz uma pós-graduação em Petróleo & Gás na PUC logo quando voltei ao Brasil e não tenho muito do que reclamar.
Mas por que eu estou falando da PUC se o post é sobre a Blizzard Entertainment?
Porque a linguagem de programação Lua foi desenvolvida lá nos anos 1990 por uma mulecada da PUC que tocava a Tecgraf.
Adivinha o que eles usam para desenvolver of campeão de audiência World of Warcraft?
Sim, tem uma pontinha carioca no World of Warcraft!
Gol do Brasil!
7) Blizzard Entertainment Sports Club
A Blizzard botou os geeks para fazer esporte.
Dentro do campus da empresa, tinha uma quadra de vôlei de praia, uma estação de crossfit, uma quadra de basquete e uma academia de ginástica super moderna.
A quadra de basquete tem piso lisinho e cesta profissional de NBA.
Não sei se é porque era hora do almoço mas tinha umas 40 pessoas na “área de lazer” da empresa, contrariando todos os meus “pré-conceitos” de nerd gordo e sedentário.
Além das paradas ao ar livre, outra coisa que me impressionou muito foi a biblioteca.
Primeiro que a porta da biblioteca parecia que vinha da Terra Média lá do Senhor dos Anéis.
O André me explicou que aquela biblioteca servia de referência para os designers e desenvolvedores na hora de criar os jogos.
Então as prateleiras estavam lotadas de livros de história medieval, fantasia, dragões e essas paradas aí.
Mas a parada que eu mais me amarrei em toda a minha visita foi o conteúdo do lado oposto da biblioteca da Blizzard.
Os caras têm uma seleção imensa de games!
Me arrisco a dizer que tinha mais de 2mil títulos naquela porra.
Games de todos os tipos e de todos os consoles!
Super Nintendo, Nintendo 64, Gameboy Color, PS1,PS2, PS3, PS4, PC, Gamecube… a porra toda!
E os empregados podem alugá-los e levá-los pra casa… a custo zero!
Aqueles games antigos tinham a mesma função dos livros de história medieval e dos manuais de programação: inspiração para o pessoal que usa e abusa da criatividade lá dentro.
Quando o desenvolvedor vai montar o cenário ou a história de algum jogo, ele recorre aos jogos do passado para buscar um pouco de inspiração.
Pica né?
8) Abrace seu geek interior
No meio do campus da Blizzard, tem uma estátua grandona de um bichão do World of Warcraft.
Ao redor dele, tinha uma rosa dos ventos com os valores da empresa. São eles:
Think Globally
Play nice, play fair
Every voice matters
Gameplay first
Lead Responsibly
Learn & Grow
Embrace Your Inner Geek
Commit to Quality
O André falou que nunca tinha visto uma empresa que era tão fiel a seus valores quanto a Blizzard.
De primeira, coloquei aquele comentário no lixo como blá-blá-blá de qualquer executivo em teleconferência com analistas.
Pô o cara é diretor da empresa e eu sou visitante… é claro que ele vai falar bem do negócio.
Mas não é que eu senti firmeza no comentário dele?
Parei para pensar um pouquinho e concluí que os caras realmente “dão valor aos valores”.
E isso é uma parada que 90% das empresas no mundo não fazem.
Como vocês já perceberam, adoro pegar no pé da Petrobrás aqui no MundoRaiam.
E não vou perder a oportunidade para ilustrar esse último argumento com um slide de uma apresentação corporativa de nossa querida e honrosa empresa estatal de petróleo.
Peguei diretamente de uma apresentação institucional do departamento de Relação Com Investidores do ano de 2010.
Agora preparem-se para rir um pouco.
Não perguntei a hierarquia dos valores da Blizzard mas parece que todo mundo lá dentro leva o “Embrace Your Inner Geek” à sério.
Lembra lá em cima quando eu falei da vestimenta da galera?
Se o cliente é geek, a empresa tem que se aproximar dele de tudo quanto é jeito.
E os caras fazem isso magistralmente bem do dress code, à decoração, passando pela mega-locadora de games.
9) O cara errado no lugar certo
Me amarrei pra caramba no tour.
Mas vou te falar com toda a sinceridade do mundo: acho que era o cara errado.
Isso porque eu nunca joguei Diablo nem World of Warcraft e não sabia quem eram aqueles bonecões espalhados pelos prédios da Blizzard.
Conheço, no mínimo, umas 30 cabeças que dariam um rim para respirar aquele ar.
No fundo no fundo, eu não sou gamer né?!
Para você ter uma idéia, minha mãe proibia que eu jogasse qualquer jogo que tivesse morte e violência.
Quando deu aquela febre do Counter Strike no início dos anos 2000, eu tinha que inventar um monte de caô para ir na lan house da esquina.
Um dia, minha mãe entrou lá na lan house e viu todos aqueles pré-adolescentes num cenário de favela e com arma na mão (lembra do CS Rio?).
Me botou num castigo fudido e eu só fui jogar CS de novo depois dos meus 18 anos de idade.
Mal comparando, levar o Raiam para o lugar onde são criados World of Warcraft e Diablo seria como levar o David Brazil para um open-bar, open-everything na Quatro Por Quatro.
Mas tá tranquilo.
É sempre legal trazer uma visão diferente e aprender com gente inteligente.
10) Talento infinito
Cara, 10 entre 10 nerds programadores que eu conheço sonham em trabalhar para Blizzard Entertainment, inclusive meu sócio Léo Borba.
Ser RH de uma empresa assim deve ser fácil demais.
Com a marca que a Blizzard Entertainment desenvolveu no mercado, eles podem atrair os caras mais picas da indústria para trabalhar por lá.
O brand loyalty é tão grande que eu aposto com você que eles encontrariam gente muito capacitada para trabalhar de graça!
Mas como diz um dos valores da Blizzard: PLAY NICE, PLAY FAIR.
Não conversei com ninguém lá sobre processo seletivo mas se você é um desses caras que sonham em trabalhar na Blizzard, meu conselho é bem simples:
APRENDA A PROGRAMAR!
Eu sei que não é suficiente mas é um excelente começo.
(Aliás, acho que todo mundo aqui tem que começar a programar. Dá uma olhada no post No papel, falo 6 idiomas. Adivinha quantos deles realmente foram úteis na minha vida? e me diga o que você achou).
Como falei no post do complexo de vira-lata, uma empresa foda é feita de pessoas fodas.
Esses dias estava lendo o livro So Good They Can’t Ignore You do Cal Newport (que por sinal, recomendo pra caramba).
Um dos argumentos mais fortes do livro é que as empresas modernas têm que atender a três necessidades psicológicas dos empregados:
1) Autonomy: o cara tem controle do próprio dia-a-dia dentro da empresa
Blizzard Entertainment: Poder tirar um break no almoço para dar tour para visitante, jogar basquete, fazer crossfit, bater um vôlei e até levar o cachorro para o escritório.
2) Competence: o ambiente faz o cara sentir que ele é bom no que faz
Blizzard Entertainment: os caras literalmente vestem a camisa. E sentem genuinamente que eles têm um dedo no sucesso da empresa e contribuíram para os 4,4B de faturamento.
3) Relatedness: o cara tem que sentir uma boa conexão com as pessoas a sua volta.
Blizzard Entertainment: No fundo no fundo, todo mundo ali é gamer né. Então é mais fácil construir um rapport com os companheiros de trabalho.
Se a empresa consegue atrair as melhores pessoas e, ao mesmo tempo, consegue proporcionar um bom ambiente para essas pessoas trabalharem, o céu é o limite.
Agora ficou mais fácil entender como é que os caras transformaram aquele investimento de US$15.000 da vovó lá em 1991 em US$25,000,000,000 de valor de mercado em 2015.
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Nice!
Imagino como deve ser difícil construir uma cultura organizacional igual essa. Só uma palavra: benchmark.
No aguardo da próxima 😉
Cara estou aqui na California, fazendo intercambio tambem em Ciencias da Computacao, to doido pra conhecer a Blizzard, tem alguma inscricao ou algo do tipo pra ir la? Tem como voce me dar algumas dicas?