Esse aqui é um post que foge um pouco da pegada recente aqui do MundoRaiam.com.
Hoje não tem Fiverr, não tem audiolivros, não tem viagem pra Ásia e nem experimento social.
Acho que nunca escrevi algo tão sério e pessoal aqui no site.
Sucesso e dinheiro
Ao longo dos anos, eu afastei muitas pessoas importantes da minha vida por causa da minha pura obsessão por sucesso e dinheiro.
Normal.
Tenho a leve impressão que é isso que 9 entre 10 jovens da minha idade querem da vida. Seja no Brasil, nos Estados Unidos ou na puta que o pariu.
No meu caso, acho que essa obsessão aí vem de um “vírus” que foi implantado no meu sistema depois de passar tanto tempo construindo minha própria história na corrida de ratos dos Estados Unidos.
Vou te falar que o tema principal do meu 4o livro MISSÃO PAULO COELHO é exatamente essa parada aí.
O Amazon promove ele como um story-telling da minha aventura cara-de-pau para conhecer pessoalmente meu maior ídolo Paulo Coelho.
O livro tá na categoria “Turismo” porque tem capítulos na favela de Paraisópolis, no Rio, em Amsterdam, em Lyon na França e também nas cidades suíças de Genebra e Lausanne.
Mas, no fundo no fundo, eu escrevi o MISSÃO PAULO COELHO para ser muito mais que um mero travel-book.
Para te falar a verdade, esses 7 primeiros meses de 2016 foram intensamente dedicados àquelas duas palavras do título.
Do lado do sucesso, eu abri empresa, coloquei meus livros nas listas de best-sellers do Amazon, fechei contrato com uma editora grande, bombei os acessos do blog, fechei contrato com vários novos patrocinadores, publiquei mais dois livros, palestrei junto com Abilio Diniz e Fernando Henrique Cardoso, etc.
Do lado do dinheiro, eu criei umas 10 novas fontes de renda, garanti investimento para minha startup e ainda consegui viajar para uns 15 países em 7 meses.
Até aí tudo bem.
Quinta feira passada, eu acordo no meu apartamento de Belo Horizonte com duas ligações perdidas no celular.
Era meu pai me ligando no meio da madrugada.
Senti uma pontada bem grande no peito ao ver aquilo.
Afinal, o cara raramente me liga.
E quando ele liga, ele nunca o faz no meio da madrugada.
Host family
Eu compartilho muito da minha vida pessoal tanto aqui no blog quanto nos meus livros mas uma coisa que eu raramente abro para o mundo é o fato de que eu tenho dois pais.
Até esse minuto, só minha família e meus amigos mais próximos sabiam desse detalhe.
Meu pai biológico Francisco mora no Rio de Janeiro e é casado com minha mãe Marta.
Vivo em pé de guerra com os dois desde os meus 12 anos de idade.
Eu também tenho um segundo pai na Califórnia.
O nome dele é Grant e ele meio que me adotou quando eu tinha 15 anos e fui para os Estados Unidos como estudante de intercâmbio.
O Grant começou como “host-family” e virou “family” ao longo dos anos.
Por ter chegado já adolescente e não ter participado dos “anos disciplinadores” da minha vida, minha relação com o Grant foi muito mais de amigo para amigo do que de pai pra filho.
O Grant tem quase 70 anos, foi diretor de um dos maiores hospitais da Califórnia durante décadas e se aposentou bem no início desse ano.
Eu fiquei triste e feliz com essa notícia da aposentadoria dele.
Feliz porque ele finalmente ia largar o estilo de vida workaholic e ia ter mais tempo e dinheiro para fazer as coisas dele.
E triste por causa de uma estatística meio macabra que eu li há uns meses atrás: a grande maioria dos americanos morrem num período de 5 anos após a aposentadoria.
Aparentemente, os americanos perdem o norte e a rotina quando se aposentam, daí ficam deprimidos e acabam esperando a morte chegar no sofá de casa assistindo TV.
Fiquei com o pé atrás porque ele sempre foi um cara meio fechado e rabugento e nunca aceitou ajuda de ninguém.
Na minha última visita a Los Angeles em março, notei que a saúde dele estava meio debilitada e sugeri uma visita ao médico.
Ele disse que tava tudo bem.
Eu insisti um pouco mais, ele ficou puto comigo e eu tive que deixar passar para evitar qualquer atrito.
Quando eu vi as ligações perdidas do Grant, eu fiquei em estado de choque.
Por causa do fuso horário, só consegui falar com ele no fim da tarde do Brasil.
Pela primeira vez desde que eu me tornei “filho” dele em 2005, ele mostrou vulnerabilidade e se abriu pra mim:
“Your papa is sick”
Caralho!
Aquele “Your papa is sick” funcionou como um alarme de incêndio num prédio de Manhattan.
Escutou o sino? Corre porque deu merda!
Assim que desliguei o telefone, fui direto pro Skyscanner procurar vôos do Brasil para Los Angeles.
Tinha um monte de reunião marcada, tinha palestra pra fazer, tinha o lançamento da versão física do Hackeando Tudo e também das versões espanholas e inglesas do Wall Street pra tocar.
Cancelei tudo e comprei a passagem!
Não preciso nem dizer que tava tudo bem caro. Afinal, comprar passagem internacional para o dia seguinte em época de Olimpíada não é a melhor das ideias.
Salvo pelo gongo
Eu realmente não tava preparado para isso.
Não podia pegar o avião em Belo Horizonte pois meu passaporte estava na casa dos meus pais biológicos lá no Rio.
Minha solução foi correr pra rodoviária e pegar o leito-corujão para o Rio.
Antes de seguir para o aeroporto do Galeão e pegar a primeira perna do vôo para Nova York, encontrei a minha mãe no meio do caminho para pegar o passaporte.
Em Nova York, passei pela imigração e fiz o check-in de novo para seguir viagem para Los Angeles.
Depois de mais de 48 horas longe de casa, lá estava eu finalmente no aeroporto de LAX.
Liguei pro Grant umas 15 vezes depois que cheguei em solo americano e nada.
Depois de fritar no trânsito das freeways do sul de Los Angeles, lá estava eu em Jefferson Park, bairro do Grant e também da University of Southern California.
Bati na porta e tomei outra pontada no coração.
Meu pai estava um graveto de 40 e poucos quilos.
Bem longe do negro gordinho de 120kgs e cara de gangsta que virou minha família lá 2005.
Ele estava com uma dificuldade enorme de andar.
Seus braços e pernas tremiam como se ele tivesse um grau bem sério de Mal de Parkinson.
Quando ele esticou o braço para colocar a chave na fechadura, as pernas dele não aguentaram e ele caiu ali na minha frente.
Não sabia o que fazer. Pensei em arrombar a porta, arrombar a janela mas ele falou para eu não fazer aquilo.
Depois de uns 15 minutos no chão, ele finalmente conseguiu esticar o braço e superou a tremedeira para colocar a chave na fechadura.
Não tive nem tempo de puxar a orelha dele e perguntar por que ele não tinha pedido ajuda para o resto da família ou chamado a ambulância antes.
Que merda né? Ele me ligou em outro país e eu demorei 48 horas para chegar… imagina se o vôo tivesse sido cancelado ou algo do tipo?
Tirei o celular do bolso dele e liguei para o 911!
Uns 2 minutos depois, estaciona um caminhão dos bombeiros e saem dois paramédicos para ajudar.
Corremos para o hospital mais próximo que o plano de saúde dele cobria, o Kaiser Permanente Sunset em Hollywood.
Diagnóstico: falência múltipla nos rins.
Uma pessoa saudável tem o BUN (blood urea nitrogen) de 20 mg por 100 mililitros de sangue.
O Grant tava com 300 mg.
Tradução: estado crítico!
Métricas de sucesso
Até aquela quinta-feira, minha vida era movida por métricas operacionais:
– número de livros vendidos
– número de páginas lidas no Kindle Unlimited
– número de plays no Ubook
– número de curtidas na fanpage do Facebook
– número de curtidas nos posts
– número de acessos no MundoRaiam
– CPM do blog MundoRaiam
– Earnings per click
– número de palestras vendidas
– ROI de campanhas de Adwords
– CPA de patrocinadores
– número de reviews no Amazon
– número de palavras escritas por dia
Minha fonte de satisfação e felicidade era ver esses números aí subindo. Só isso.
Afinal, quanto mais eles subiam, mais dinheiro entrava pro meu bolso.
Vou te falar que fiquei ainda mais obcecado por métricas financeiras e operacionais quando mudei para Belo Horizonte no final de abril.
Isso porque tava morando com uma galera bem jovem e bem sangue-no-olho.
Para você ter uma ideia, o mais pobrezinho do apartamento tinha 21 anos e botava uns 20mil reais por mês no bolso sem ajuda de papai nem mamãe.
O negócio era work, work, work… money, money, money… all day, every day!
Do dia para noite, nenhum daqueles indicadores tava valendo mais porra nenhuma para mim.
Parei de escrever, parei de checar as vendas de livros, parei de atualizar o blog e parei de promover os produtos dos patrocinadores.
EPC? CPM? CPA? Foda-se essa porra toda!
Nada daquilo ali resolveria meu problema.
Meu pai tava deitado na cama do hospital extremamente debilitado.
Para piorar, as poucas palavras que ele conseguia articular eram todas relacionadas a contas do banco, advogados, herança, cremação e recados ao resto da família.
Meu feeling era que ele ia partir a qualquer momento…
Do alto dos meus 26 anos, posso dizer que passei por um bom número de perrengues na vida.
Já fui imigrante ilegal, já fui preso, já fui expulso de casa, expulso de time, expulso de trabalho, expulso da ESPN, expulso dos EUA, expulso da Seleção Brasileira, já tomei pé na bunda, já apanhei na rua, já fali… e continuo aí na atividade.
Mas aí… mesmo se você juntar todos esses perrengues, nada se compara a dor de ver um pai doente nos seus braços e não conseguir fazer nada por ele.
Sei que isso pode acontecer cedo ou tarde com todos nós, MAS EU NÃO DESEJO ISSO PRA NINGUÉM.
Puta que pariu, sai até lágrima do olho.
Minha nova definição de sucesso
As cirurgias foram um sucesso e as sessões de hemodiálise de emergência também.
Depois que ele saiu da UTI, eu passei a comemorar os mínimos progressos como se fosse gol do Ronaldo Fenômeno na Copa de 2002.
Minha caixa de email não parava de crescer com convites não-respondidos para palestras, mentorias, consultorias e meus livros se distanciavam cada vez mais das listas de best-sellers do Amazon.
Só que eu estava em outra vibe…
Acho que pela primeira vez em alguns anos, o TRABALHO VIROU ALGO SECUNDÁRIO.
Meu pai conseguiu rolar no leito? GOL!
Meu pai conseguiu engolir um pedaço de frango? GOL!
Meu pai conseguiu mijar sozinho? GOL!
Meu pai conseguiu segurar o controle remoto da TV? GOL!
Meu pai conseguiu dobrar a perna? GOL!
Meu pai conseguiu dar três passos com o andador? GOL!
Meu pai não vomitou durante a hemodiálise? GOL!
Prefiro o SUS
Esses dias, eu escrevi aqui no blog sobre a experiência que eu tive numa clínica em Cingapura.
Se você não tiver a fim de ler o artigo Negão Asiático: 48 Horas em Cingapura, aqui vai um resumão:
Fiquei bem doente da garganta, não tinha seguro-viagem e cruzei a ilha inteira em busca de uma clínica aberta num domingo.
Quando vi que não dava para segurar até a volta ao Brasil, estava pronto para abrir a carteira pagar uns US$1.000/US$2.000 dólares no tratamento médico (país desenvolvido e dolarizado é foda).
Só que eu tive uma surpresa muito positiva: o tratamento foi excelente, acabei pagando bem menos que no Brasil e fiquei bom em menos de 48 horas.
Essa semana que passou, eu fiquei 7 noites no hospital Kaiser Sunset em Hollywood, Los Angeles e presenciei O LIXO QUE É O SISTEMA DE SAÚDE AMERICANO.
Sim, morei nos Estados Unidos por um total de 10 anos mas, graças a Deus, nunca tive que passar por isso. Então tudo foi novidade para mim.
Tinha uns 6 médicos cuidando do caso mas eles não compartilhavam informações. Daí quando trocava o turno, eles ficavam perdidinhos.
Mesma coisa com as enfermeiras.
E eles faziam O MÍNIMO POSSÍVEL para cuidar do meu pai… e o MÁXIMO POSSÍVEL para tirar ele do hospital antes da hora.
Eu tinha que ficar lá o tempo todo marcando em cima das enfermeiras para trazerem os remédios, trazerem a comida e chamarem o médico.
Deu vontade de dar uma de Denzel Washington naquele filme Um Ato de Coragem e enfiar o dedo na cara dos médicos para levarem o tratamento a sério.
O principal conflito foi o seguinte: o plano de saúde e o hospital eram geridos pela mesma empresa.
Aí o que acontece?
Vamos simular que um paciente na emergência custa US$1.500 por noite ao hospital.
Esse mesmo paciente, por se tratar de um aposentado no sistema de Medicare, paga uns US$1.000 por mês pelo plano de saúde.
Divide US$1.000 por 30 dias: 34 dólares por dia.
Se ele paga US$34 por dia e custa US$1.500, o hospital está operando com uma margem de lucro extremamente negativa.
Não, meus amigos, não tem saúde pública do SUS nos Estados Unidos.
Se o Grant não pagasse os US$1.000 dólares da mensalidade do plano de saúde, ele ia ter que entubar todos os US$1.500 da diária do hospital + mão de obra dos médicos + custo das anestesias + o custo dos remédios + o custo da alimentação + um monte de taxa.
Aquela estadia de uma semana ali podia muito bem ter custado uns 30-40mil dólares.
Um monte de gente despreparada vai a falência nos Estados Unidos por causa de custos de healthcare.
Hospital é business. E eles perdem dinheiro com paciente coberto por plano de saúde ali dentro com as máquinas ligadas.
Resultado: meu pai recebeu alta e foi pra casa.
Não sou médico para dizer isso mas tenho quase certeza que eles mandaram a gente embora de última hora.
Aquela equipe de enfermeiras, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas e assistentes foi substituída por um cara só: o Raiam.
Transferência de autoridade
Cuidar de um pai é bem mais difícil do que cuidar de um filho.
Bom, eu não tenho autoridade para dizer isso porque ainda não tive filho mas eu tenho uma explicação.
Com o filho, você é uma figura de autoridade desde o início.
Vai demorar uns 10-15 antes dele começar a questionar você.
Quando seu pai “se torna seu filho” e fica sob seus cuidados, é praticamente impossível dizer a ele o que ele tem que fazer: tomar remédio, fazer fisioterapia, evitar comer certas coisas, etc.
Por quê? Porque os papéis ficam invertidos.
Ele tá tão acostumado a ter autoridade sobre você que acaba não aceitando nada do que você diz.
Foda!
Se alguém passou por isso, me manda um inbox lá no Facebook pra gente trocar ideia. Agora sou eu que tô precisando de uns hacks.
Antifrágil
Essa situação toda me lembrou de um conceito de um livro do Nassim Nicholas Taleb, que um cliente meu de mentoria Arthur Severo me indicou há um tempo atrás.
O nome do livro? Antifrágil: Coisas Que Se Beneficiam Com o Caos.
O livro é bom pra caramba… mas ele pode ser resumido em apenas três bulletpoints:
1) Frágil: aquele que sucumbe quando encontra uma dificuldade
2) Resiliente: aquele que agüenta a dificuldade, consegue superá-la com pingos de força de vontade e flexibilidade e depois volta para o normal.
3) Antifrágil: aquele que fica mais forte depois de cada dificuldade.
Como eu faço de tudo para ficar no terceiro grupo, tô enfrentando todo esse caos como um combustível. De algum jeito ou de outro, vou sair mais forte do outro lado.
O que você tem a ver com isso?
Sei lá.
Se você leu até aqui, a única coisa que eu tenho a dizer que TEM COISA MAIS IMPORTANTE NA VIDA DO QUE PURO “SUCESSO” E “DINHEIRO”.
Espero que você não tenha que aprender isso na dor.
E outra: se você suspeita que tem alguma coisa errada na saúde dos teus pais, bota moral nessa porra e faz eles se tratarem!
Se eles recusarem ou esconderem como o Grant escondeu, BOTA MAIS MORAL AINDA!
Acho que a principal lição desse perrengue todo foi a parte da gratidão.
Muita gente não tem os pais… Deus foi tão gente boa comigo que me deu 3.
E eu trato 2 deles que nem lixo há alguns anos!
Por quê? Porque eu sou otário.
Sim, meus pais fizeram merda a vida toda e continuam fazendo. Mas quem sou eu para julgá-los e culpá-los dessa maneira?
Se você também tem problemas com seus pais, tenho um desafio a te fazer:
1) Enfia esse orgulho no cu
2) Pega o telefone (whatsapp não vale)
3) Diz um “eu te amo” e um “obrigado” bem grande.
A vida é muito curta, lek.
Eles podem ir embora a qualquer momento e você corre o risco de se culpar a vida toda por não ter aberto o coração enquanto podia.
Valeu falows!
~Raiam