Olimpíadas do Dinheiro
Criei essa série com um simples motivo: explicar macroeconomia pro povão com aquele papo reto e direto que eu sempre mando aqui no blog MundoRaiam.
Por que isso? Por que eu tô vendo que nego tá dando muita importância para a porra da Olimpíada.
O que tua vida vai mudar se o Diego Hypólito ganhar a medalha de ouro?
Como eu falei no artigo de introdução da série Olimpíadas do Dinheiro, já estive dos dois lados da moeda e posso dizer que ESPORTE SÓ É BOM PRA QUEM JOGA!
Enquanto a mídia fala daquele atleta russo que é favorito a ganhar a medalha de ouro nas barras paralelas assimétricas, por que não ir contra a maré e falar como a produção de gás natural da Rússia afeta nós aqui no Brasil.
A ideia da série Olimpíadas do Dinheiro é exatamente essa. Toda terça e sábado vai ter um país diferente.
O de hoje é a Índia!
Capítulo 1: A Economia da Índia
Por que começar pela Índia?
Bom, porque eu “morei” lá durante dois anos da minha vida.
Morei entre aspas porque na real eu passava a maior parte do meu ano em Philadelphia.
Eu tava na faculdade e Philadelphia era apenas meu endereço temporário. Para onde ia toda correspondência importante no meu nome?
Para a casa dos meus pais em Mumbai na Índia.
Meu pai foi uma das milhares de pessoas que perderam o emprego com a falência da Varig.
Em 2008, a aviação estava bombando na Ásia e os caras precisavam de gente qualificada que soubesse mexer com aviões. Ele recebeu uma proposta legal e foi reconstruir a vida profissional dele lá na Índia.
40 países dentro de 1
Mano, eu acho até errado generalizar a Índia como um país só.
São 36 estados no total (incluindo os 7 territórios da União) mas tá muito enganado quem pensa que a divisão da parada lá é tipo aqui no Brasil
Por lá, ninguém fala a mesma língua… são 23 idiomas oficiais e mais de mil dialetos dentro do mesmo país.
Para você ter uma ideia, a própria Constituição da Índia proíbe que o país tenha UMA língua nacional.
As duas línguas mais faladas são o hindi e o inglês… mas eu já antecipo que você vai se fuder pra conversar em inglês com um cara de um estado como Tamil Nadu no sul da Índia.
O próprio Winston Churchill, que (indiretamente) foi presidente da Índia nos anos 1930 e 1940, tem uma frase bem famosa:
“It makes me sick when I hear the Secretary of State saying of India, “She will do this and she will do that.” India is an abstraction, represented by a handful of politically-minded classes who have no means of intercourse with each other except in the English language”
Se você está nessa página e não manja do inglês, primeiro TOMA VERGONHA NESSA CARA.
Mas já que você veio até aqui e me deu atenção, segue a tradução do Raiam aí:
“Eu fico puto quando eu escuto o Secretário de Estado falando que a Índia vai fazer isso, vai fazer aquilo. Índia é uma ideia abstrata, representada por algumas classes com inclinação política que não têm nenhum meio de contato entre si, só a língua inglesa.”
Se já é difícil tocar um país como o nosso onde todo mundo fala a mesma língua, imagina como deve ser a política por lá?!
Melhor país do mundo
Entre as principais potências mundiais, a economia da Índia é a #1 do mundo numa métrica muito importante: crescimento de PIB!
Para 2016, a expectativa é crescer PIB em 8%. O segundo lugar China vai ter sorte se crescer 6%.
Vou até aproveitar a comparação para sugerir um livro muito bom chamado Elephant and the Dragon de Robyn Meredith. Ele tá meio desatualizado (é de 2008) mas explica muito bem porque essas duas potências aí vivem entre tapas e beijos.
Como é que os indianos ganham dinheiro?
A Índia é uma das maiores potências do mundo quando o assunto é agricultura.
Eles plantam trigo, cana, arroz, frutas, algodão e são os maiores produtores de leite do mundo (não pode matar vaca, né).
Além disso, eles extraem carvão, produzem aço, fazem máquinas … mas tudo isso é fichinha.
Como é que os caras são uma potência em agricultura e só 17% do PIB deles vem disso?
Segura essa estatística aí: 57% do PIB da Índia vem do setor de serviços!
A Índia é referência mundial quando o assunto é TI e muitas empresas ocidentais fazem outsourcing de operações para lá (inclusive a minha).
Por que isso? Por que a Índia investe forte em capacitação de profissionais de tecnologia desde os anos 1950 então os caras estão bem mais preparados pro futuro do que a gente.
Mano, de acordo com essa estatística aqui da Computer World, tem mais programador dentro da Índia (5 milhões) do que habitantes dentro do Uruguai inteiro (3.4 milhões)!
Queria ter um presidente assim
O presidente da Índia é um cara chamado Narendra Modi.
A pegada dele é bem simples: acabar com a burocra e deixar a Índia um país cada vez mais amigável para os empreendedores locais e investidores gringos.
Ele foi o tipo do presidente que mal chegou no poder e já entrou de voadora, tá ligado?!
O negócio dele é abrir os mercados e aumentar a eficiência cortando tudo que tem a ver com red-tape de governo, cargos comissionados, corrupção e o caralho a quatro.
Quase tive um orgasmo aqui!
E não é que essa pegada funcionou?!
Só no primeiro ano de governo do Narendra Modi, os investimentos gringos na Índia (foreign direct investment) subiram 61%!
Agora eu te pergunto: fala o nome de um político que tenha essa visão aqui no Brasil e tenha as mínimas chances de entrar para a presidência?
Um dos principais objetivos do Modi é trazer grandes indústrias para produzir na Índia. Isso aí tem até virou uma campanha chamada “Make in India” (saiba mais).
E não tem bairrismo nisso não: os salários lá na Índia são bem baixinhos e a mão de obra é bem qualificada.
Bom pro indiano, bom pro investidor… e bom para o Raiam!
Nação Fiverr
Lembra daquele post Larguei o emprego e montei uma “multinacional” com gente em 15 países?
Tenho uma galera forte trabalhando pra mim que é baseada lá na Índia.
Por que eu confio nos indianos para fazer programação, design e processamento de dados?
Porque eu sou capitalista, porra!
Os caras ganham menos… e produzem mais.
Nossa! Que agressivo, Raiam.
Mas é o seguinte: eu pago US$50 dólares por mês para ter um assistente virtual lá na Índia através do Fiverr.
50 dólares para eles É DINHEIRO PRA CARAMBA!
Então, no fundo no fundo, eu prefiro contratar lá do que aqui não só pelo fator-custo mas sim pelo fator-gratidão.
Se eu pagar R$200 por mês para uma pessoa trabalhar comigo aqui no Brasil, ela vai me mandar tomar no cu.
O indiano lá consegue alimentar a família dele inteira com essa grana que eu mando de trabalho part-time. Tem vez que eu mando coisa só uma vez por semana.
Viva a arbitragem geográfica!
Cria uma conta lá no Fiverr e no Upwork mas não explana muito não, já é?!
Se essa porra de outsourcing digital virar moda, o nosso querido governo brasileiro vai querer taxar isso também.
Funcionário público
Já falei várias vezes aqui que o maior problema do Brasil é a taxa de juros… e isso está diretamente correlacionado com a quantidade de funcionários públicos que nosso país tem.
Não entendeu?
Dá uma lida naquele que continua sendo o segundo artigo mais lido da história desse blog: Tomei café com o maior investidor do Brasil Luis Stuhlberger. Saiba por que eu me senti hipócrita…
A Índia acabou de cortar a taxa de juros deles para 6.5%.
Putz… tem alguma coisa errada.
A Índia é BRIC também, né?!
Em teoria, países com perfil parecido deviam pagar taxas de juros no mínimo comparáveis.
Por que nós pagamos 14% e eles 6.5%?
Vou te dar uma pista: o sonho do indiano não é passar num concurso público.
Bom, esse panorama talvez mude agora que o governo anunciou um reajuste de 23% no salário de todo mundo que trabalha na máquina estatal.
Vamo ficar de olho.
Gasta mais do que recebe
As agências de risco vivem com o pé atrás com relação a Índia por causa de um pequeno grande problema: o indiano não tá acostumado a pagar impostos!
Daí o governo abre a carteira para construir aeroporto, estrada e ferrovia de país rico mas não recebe o suficiente para fechar a conta no fim do ano.
Fazer o quê, né? A economia da Índia continua sendo bem informal.
Uma parada que pode tapar bem esse buraco no médio e no longo prazo: o baby-boom populacional da Índia.
Cara, a idade média da população indiana é de 29 anos.
Para você ter uma ideia, a idade média de alguns países da Europa Ocidental já tá beirando os 50.
A Índia fica na vantagem porque, com tanta gente jovem trabalhando e produzindo, fica mais fácil botar essa galera pra pagar imposto e bancar a população mais velha que não está economicamente ativa.
O Brasil não tem a mesma sorte… depois dá uma olhada na bomba-relógio que é nossa contabilidade pública.
E vai cair tudo no colo da nossa geração hein?!
Espera só nossos pais se aposentarem e começarem a retirar a pensão e o INSS deles do sistema.
O fim do pesadelo preto
A Índia se fudeu durante anos e anos por um simples motivo: ela é fraquinha em energia.
A Índia é praticamente zerada em petróleo e não tem quedas d’água para produzir energia hidrelétrica que nem nós.
O que significa isso? Significa que ela precisava importar 75% do seu petróleo de países como Arábia Saudita e Iraque.
Além disso, pra gerar eletricidade, os caras precisam queimar carvão pra caramba em usinas termelétricas (saporra polui pra cacete).
Com o petróleo bem caro o efeito era um só: o preço de tudo subia e o poder de compra da população ficava beeeem restrito.
Resultado: inflação crônica e fudida… e vários apagões.
Meus pais moravam em área nobre na Índia… tipo perto dos atores chiques de Bollywood. Mesmo assim, os apagões eram bem comuns.
Hoje em dia, o negócio virou.
O preço do petróleo tá lá embaixo e agora eles têm menos uma pica pra se preocupar.
Fora isso, as empresas indianas estão investindo forte para aumentar a capacidade de refino dentro de casa.
Parece que, pela primeira vez na história, a Índia tá conseguindo controlar a inflação.
O fantasma das monções
Além do petróleo, outra parada que o empresário indiano fica sempre de olho é a temporada de chuvas.
Entre junho e setembro, chove pra cacete por lá.
Tipo Manaus, tá ligado?
Chove todo dia no fim da tarde… cai um torózão brabo pra cacete e depois para.
Como a intensidade das monções é algo bem imprevisível, o país fica literalmente com o cu na mão.
Chuva demais pode ferrar as plantações e suspender operações das minas de carvão e minério de ferro.
Se isso acontece, a Índia vai ter que importar mais comida do exterior, pagar tudo em dólar e a inflação vai subir.
Chuva de menos, também atrapalha! 2015 choveu muito pouco por causa do El Niño.
Tá ligado quando tem reunião do COPOM por aqui para determinar taxas de juros e eles olham déficit fiscal, desemprego e outras paradas mais técnicas?
Lá na Índia, os governantes prestam muita atenção no efeito da temporada anual das monções na economia. Esse artigo da Economic Times explica bem essa combinação entre meteorologia, política e economia da Índia.
Apaixonados por carro… como todo indiano
Em 2015, a Índia vendeu 2.7 milhões de carros no mercado interno.
Para um país com 1 bilhão de habitantes, esse número não me enche os olhos não.
Agora segura essa aqui: a expectativa para esse ano é vender 5 milhões!
Mano, dobrar vendas em apenas um ano é coisa pra caraca! O povo tá com dinheiro pra gastar!
Mais um sinal que as políticas direitistas-liberalistas do Narendra Modi estão fazendo efeito.
Haja petróleo pra acompanhar essa pegada.
E haja infraestrutura rodoviária também.
Infraestrutura de país rico
O país em geral é bem pobrezinho, tá ligado?!
O PIB per capita da Índia é de 1200 dólares por ano enquanto o do Brasil (mesmo na crise) é de 6000 dólares.
Sim, em teoria, o cidadão brasileiro é 5x mais rico do que o cidadão indiano.
Mas uma coisa eles estão a anos-luz na nossa frente: infraestrutura de transportes.
Se liga no naipe do aeroporto de Hyderabad e do aeroporto de Mumbai.
Sem falar nos quilômetros e quilômetros de estradas novas que foram construídas na última década.
Parece que os caras anteciparam o boom de consumo e de vendas de carros que tá acontecendo hoje em dia e se preparam bem para isso.
O trânsito das grandes cidades continua uma merda… mas isso é culpa do indiano e não do governo. Ô povo barbeiro da porra!
Pra chegar rápido nos lugares, tem que ter moto ou carro pequeno.
Se liga aí na Ferrari que meu pai andava lá na Índia.
Olimpíadas do Dinheiro
Para não dizer que o negócio das Olimpíadas do Dinheiro é só falar de dinheiro, vou terminar falando da Olimpíadas.
A Índia é uma potência no cricket… que infelizmente para eles não é um esporte olímpico.
Esporte não é o forte deles não. Papo reto: os caras têm mais de 1 bilhão de habitantes mas levaram um total de ZERO medalhas de ouro em Londres 2012.
Se eles ganharem alguma coisa nas Olimpíadas do Rio, vai ser ou no tiro olímpico, ou no badminton ou no boxe.
Leitura recomendada
Gostou do meu resumão informal e quer se aprofundar no assunto Índia? Segue aí a lista de leitura:
India: A Portrait – Patrick French
Breakout Nations: In Pursuit of the Next Economic Miracles – Ruchir Sharma
Elephant and the Dragon – Robyn Meredith
Livro Wall Street
Escrevi 2.435 palavras e não vendi nada ainda?
Não pode ser!
Bom, como muitos de vocês sabem, passei dois anos da minha vida trabalhando na bolsa de valores de Nova York.
Dos 21 aos 23 anos, eu participei daquele oba-oba todo do boom das commodities, do Eike Batista e do real super-valorizado.
Para você ter uma ideia, eu ganhava uns 30-40mil reais por mês só pra fazer planilhas de Excel e enfeitar apresentações no PowerPoint.
Quer saber mais detalhes do que realmente rola dentro de um banco de investimento, sem censuras?
Leia meu novo livro Wall Street!
Ele está disponível em formato e-book no Amazon e em formato audiobook no Ubook.
Próximo Capítulo
O próximo país a ser “analisado” na série Olimpíadas do Dinheiro vai ser o México.
Sábado eu tô de volta!
Abraço
~Raiam